CARTÃO DE VISITA

CARTÃO DE VISITA
PAISAGENS DE MINAS - Conceição das Pedras

sábado, 19 de junho de 2010

ARTESCRITA























Suíte Dama da Noite
Manoela Sawitzki
Aos dez anos, Júlia Capovilla praticava vorazmente o amor fictício, cultivando um vasto elenco de amantes imaginários. Esperava-os penteada, vestida com toda combinação de peças de que podia dispor entre as próprias e as deixadas pela mãe. Os lábios, lambuzados de cor-de-rosa, cheiravam a framboesa, e no rosto, o incêndio da correria, do susto, da ousadia de sair de casa dizendo que ia ao armazém comprar rapadura, merengue ou figurinha, e tomar o rumo da estação. Depois, perambulava com seus pares invisíveis por ruelas vazias e terrenos baldios, tomando cuidado pra que ninguém os notasse — não achava graça em brincar de amores que não fossem clandestinos.

Poema à boca fechada
José (de Sousa) Saramago
(Azinhaga, Golegã, 16/111922 — Lanzarote, 18/06/2010)

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

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